Código de Processo Penal, art. 28

 

Protocolado n.º 107.664/10

Processo n.º 1.481/05 – MM. Juízo da 3.ª Vara Criminal da Comarca de Santo André

Réu: (...)

Assunto: revisão de recusa de aditamento da denúncia (CPP, art. 384, §1.º)

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. ADITAMENTO DA DENÚNCIA NA FASE DO ART. 384 DO CPP. PROVIDÊNCIA EFETUADA, EMBORA O MAGISTRADO NÃO A TENHA COMO ADEQUADA. DIVERGÊNCIA, CONTUDO, LIMITADA AO ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FATOS. PEÇA ACUSATÓRIA QUE MENCIONA DOIS TIPOS PENAIS, UM DELES POSTERIORMENTE REVOGADO. IRRELEVÂNCIA, CABENDO APRECIAR A CONDUTA À LUZ DA LEGISLAÇÃO PENAL, SEGUNDO OS PRINCÍPIOS QUE REGEM O CONFLITO DE LEIS PENAIS NO TEMPO. INAPLICABILIDADE DO ART. 384 DO CPP. CASO DE “EMENDATIO LIBELLI”. INTELIGÊNCIA DO ART. 383 DO CPP.

1.     A recusa em aditar a denúncia efetuada pelo Representante do Ministério Público não impede a prolação de sentença quando a descrição da peça acusatória encontra-se em conformidade com as provas produzidas. O mesmo vale para o caso dos autos, em que houve a emenda determinada, embora o magistrado, sem esclarecer o porquê, não a considerou satisfatória.

2.     A controvérsia, contudo, se limita à adequada definição jurídica do ato, não havendo falar-se em mutatio libelli. O réu, como é cediço, defende-se dos fatos que lhe são atribuídos, e não de seu enquadramento legal. A petição inicial descreve com fidelidade a conduta praticada pelo denunciado e, muito embora ao final mencione dispositivo legal posteriormente revogado, nenhum reparo há que se fazer.

3.     O magistrado, que há oito anos prolonga a conclusão do feito sem dar-lhe a devida solução, deve julgar o réu aplicando os princípios relativos ao conflito de leis penais no tempo (CF, art. 5º, XL e CP, art. 2º).

4.     Quando a quaestio se limita à correção da tipificação legal, portanto, não se faz necessário o aditamento, uma vez que a sistemática contida no art. 384 do CPP visa à observância do princípio da correlação entre os fatos descritos na exordial e aqueles apreciados na sentença. Suposta imprecisão na classificação jurídica, ainda que decorrente de novatio legis, pode ser corrigida quando do julgamento, a teor do art. 383 do CPP.

Solução: deixo de aditar a denúncia ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo.

 

 

A presente ação penal foi movida pelo Ministério Público em face do réu acima epigrafado, imputando-lhe, inicialmente, crime de roubo em concurso material com porte de arma de brinquedo (CP, art. 157, caput e Lei n. 9.437/97, art. 10, §1º, inc. II).

O fato foi praticado no ano 2000. A denúncia, recebida em 2002.

Encerrada a instrução processual, determinou-se a notificação das partes para os fins dos arts. 499 e 500 do CPP (com a redação anterior à Lei n. 11.719/08).

O Parquet apresentou suas alegações finais a fls. 257/259, propugnando pela acolhida total da pretensão punitiva. A defesa manifestou-se a fls. 263/266, postulando a absolvição do acusado e, subsidiariamente, o reconhecimento da forma tentada e a imposição de regime prisional aberto.

Conclusos os autos para sentença, deixou o MM. Juiz de proferir a decisão, apontando ter ocorrido nulidade na colheita da prova por violação ao direito de defesa (fls. 267). Ouviu-se novamente, então, o ofendido (fls. 280).

As razões finais do Ministério Público foram reiteradas, fazendo o mesmo a defesa.

O feito foi uma vez mais encaminhado a julgamento, deixando o julgador de decidi-lo, ao argumento de que a exordial careceria de aditamento (fls. 284), providência que se cumpriu (fls. 285).

Conclusos pela terceira vez para decisão, assim determinou o magistrado: “Com a devida vênia, ousa-se divergir, valendo-se daquilo já registrado no despacho de fls. 284. Bem por isso, remetam-se os autos à Egrégia Procuradoria Geral de Justiça, para dirimir a questão, anotando-se” (fls. 305).

Eis a síntese do necessário.

Insta registrar, logo de início, o lapso temporal transcorrido do recebimento da denúncia até a presente data, posto que mais de oito anos se passaram sem que a lide tenha recebido a tão esperada solução.

Muito embora todas as determinações emanadas do Poder Judiciário tenham sido atendidas, ainda assim persiste o non liquet.

Quanto ao mérito, nenhum reparo há que se fazer na petição inicial, que foi satisfatoriamente aditada pela Douta Representante do Ministério Público.

O dissídio verificado neste procedimento toca exclusivamente à capitulação dos fatos. Como se nota no r. despacho de fls. 284, o que motivou o encaminhamento à acusação para a emenda da denúncia foi a superveniência da Lei n. 10.826/03, que revogou sua antecessora, inserida na tipificação da peça inaugural.

Nesse sentido, é preciso enfatizar que nenhuma controvérsia existe quanto à dinâmica dos fatos. Não há dúvida de que a conduta imputada é exatamente aquela pormenorizada a fls. 02/04, a qual formou a base da persecutio criminis in juditio e, ademais, o fundamento balizador do direito constitucional à ampla defesa e ao contraditório (CF, art. 5.º, LV).

A divergência, repise-se, refere-se exclusivamente ao enquadramento legal da ação praticada.

Ressalte-se que a peça inaugural deixa claro o modo como procedeu o sujeito, que, com emprego de simulacro de arma de fogo, logrou perpetrar a subtração patrimonial.

Ora, sendo induvidoso que a controvérsia não diz respeito à descrição dos atos, posto que satisfatoriamente descritos na exordial, descabe qualquer outra providência por parte do Ministério Público, cumprindo que se prolate, o quanto antes (até para evitar possível prescrição da pretensão punitiva), o julgamento.

De lembrar-se que o juiz pode dar ao fato descrito pelo autor definição legal diversa, até mesmo quando isso importar em pena mais grave, sem qualquer necessidade de retificação na denúncia (art. 383 do CPP).

Cumpre assinalar que o art. 384 do Estatuto Processual Penal disciplina a mutatio libelli, figura intimamente ligada ao princípio da correlação (ou congruência) entre acusação e sentença. Em outras palavras, as providências contidas no dispositivo citado, notadamente o aditamento da denúncia (ou da queixa-subsidiária), visam à que sempre se mantenha uma absoluta correspondência entre os fatos descritos pela acusação e aqueles apreciados na sentença.

É de ver, ainda, que o princípio da correlação ou congruência baseia-se no princípio da inércia da jurisdição e no princípio da ampla defesa. Garante-se, por um lado, o ne procedat iudex ex officio e, por outro, assegura-se ao acusado o direito de somente se ver condenado pela conduta que foi objeto de narrativa da acusação e sobre a qual pode elaborar sua defesa.

No caso dos autos, portanto, independentemente do dissídio havido, mostra-se descabida a aplicação do art. 384 do CPP.

Diante do exposto, deixo de aditar a denúncia ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 20 de agosto de 2010.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

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